"Meu Deus, como serei feliz quando esta teoria tiver acabado e eu, enfim, puder descansar."
Caro Charles Darwin;
Indo direto ao assunto, sua teoria me é muito estranha. Sei que não devo ser emocional, sei que você andou dizendo que um verdadeiro cientista precisa ter um coração de pedra, mas não me conformo com a parte que diz que a evolução nem sempre advém de características necessariamente positivas. A gente tem essa visão bonita de evolução, de caminhar sempre pra frente e "vem vamos embora, que esperar não é fazer", então o senhor tente, por delicadeza, dimensionar o tamanho do meu choque ao perceber que não é bem assim que o mundo gira. Eu sou só uma mocinha, só uma menina, meu ceticismo não está maduro o bastante para receber esse tipo de informação, sorrir como que dizendo "elementar, elementar" e ajeitar o monóculo enquanto fumo meu cachimbo. Eu não uso um terno de flanela bem cortado, não ocupo uma sala em Oxford, não escrevo para a
Nature e nem gero editoriais da
Science. Sou, como já disse, uma dessas mocinhas crédulas que insistem em querer acreditar no bem maior, na bondade do coração humano e em todas essas bobagens que as mães deveriam, por força da lei, exterminar do coração das crianças antes dos dez anos de idade. Creia-me: os divãs dos psicanalistas estariam bem menos ocupados e poderia ter sido que seu colega de ciência (-not), aquele serelepe do Sigmund, nem tivesse virado
hype, não é mesmo?
Mas, voltando, depois de perceber essa parte nada alegre de vossa teoria, não tenho podido dormir, tenho chegado até aos pesadelos, pois percebo que sou uma evidência de que há quem ou o que evolua para pior. Digo, de certa forma, não é? O ponto é que tendo, com minha dileta progenitora, um acalorado debate intelectual, conhecido aqui pelas minhas terras como arranca-rabo, percebi que herdei, tanto do lado paterno como do lado materno, as piores características feno e genotípicas. Não, não vou irritar o senhor com reclamações acerca do formato do meu nariz, não se preocupe. Mas para dar um toque místico à minha carta, acho que poderia fazer aqui uma analogia e dizer que se trata de uma espécie de
karma genético que está culminando nessa minha encarnação, porque na próxima é certeza que vou nascer no mínimo princesa de uma família real decandente, assim, pra compensar.
Sobre o que há de ruim em mim, de mamãe me vieram uma cabeça dura feito
adamantium; uma inocência que beira o retardo mental (
plus uma antitética desconfiança de tudo e de todos que me leva à criação dos mais variados e desconexos silogismos); e uma dificuldade magistral de tirar os olhos do meu umbigo. De papai herdei um racionalismo que vem com um sorrisinho de canto de boca, daqueles que fazem qualquer interlocutor, até uma velhinha com um carrinho de feira, desejar quebrar todos os dentes da minha boca d'um só golpe; uma mania desgraçada de achar que todo mundo entende que o caminho mais lógico é sempre o melhor e que eu não estou dizendo isso por falta de tato ou consideração, mas porque, caralho (desculpa, seu Darwin, saiu sem querer), é lógico! De papai veio também o hábito de ficar quieta, séria e calada quando deveria matar pessoas com lança-chamas, rir igual ao Coringa e gritar aos sete ventos mandando uma dúzia de filhos de uma mulher de vida fácil irem tomar em seus respectivos orifícios inferiolombares.
Agora, Darwin, querido, diz pra mim: sou ou não sou uma involução? Tenho me desesperado com essa idéia. Tem que ver isso aí. Ajuda eu, moço.
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