domingo, 5 de setembro de 2010

Dia 3 – Alguém que te importuna de um modo bom ou ruim

"Good wombs hath borne bad sons"

Primeiro, querida, você precisa entender que não é rancor (ia ter rancor do quê?), não é inveja, não é trollagem, não é bullying, não é uma tentativa de sabotar sua futura carreira literária. É só que me importuna, mesmo, a idéia de que você não compreenda aquela frase de que você tanto gosta, aquele poema que você cita o tempo inteiro e em todo lugar.

Sabe o Flaubert, da Madame Bovary? Então. Ele tinha esse desespero tão forte, mas tão forte que chegava a ponto de impedi-lo de criar. Ele tinha todas as nuances do romance planejadas, mas não conseguia colocar no papel as idéias assim como elas lhe iam na mente. Dizem que ele teve umas crises horrorosas, nas quais duvidava a sério de seu talento e saía rasgando os originais do romance em milhões de pedacinhos, para depois tentar remontá-los às lágrimas, sendo o backup apenas um sonho de ficção científica muito distante daquela realidade.

Tem um outro livro aí de Flaubert, não lembro qual, e ele deve ter feito o mesmo escândalo na hora de escrever, imagino. Quando Flaubert finalmente sossegou a periquita e deu por finda a escritura desse outro romance, menos famoso que o da piriguete caipira, ele chamou dois amiguinhos de muita confiança e consideração e gastou um absurdo de horas fodendo a garganta para ler em voz alta pra eles a primeira versão de sua história. Os coleguinhas de Flaubert eram aquele tipo de amigo sincero que diz que se você for mesmo sair com essa calça de malha com a blusa por dentro, não vai nem na esquina com você. Os dois descascaram o livro de cima a baixo, viraram pro mano Gustave e disseram: “Dude, de boa, cê vai ter que mexer nesse negócio aí tudo de novo”. E Flaubert fez o quê? Primeiro, como manda o figurino de quem tá acabando de sair do Romantismo como quem sai do banho ainda meio molhado, claro que ele deve ter deitado no chão e se rasgado todinho. Não posso garantir que ele tenha tentado pular do Torre Eiffel, porque nem sei se ela já estava lá e, convenhamos, seria deselegantemente freudiano. O ponto é que Flaubert pode até ter se dado ao luxo de um ataque de pelancas, mas depois se recompôs e reescreveu tudinho, levando em consideração os comentários dos amigos. Gustave fucking Flaubert, que escreveu Madame fucking (HEIN, HEIN, PEGOU? HEIN?) Bovary.

Agora, minha pergunta: se Flaubert se dispunha a permitir que criticassem seu trabalho, por que tem gente que está começando a caminhar e não deixa? Você provavelmente dirá que Flaubert não era Flaubert naquela época, mas, ó, tenho quase certeza que ele tinha consciência de não ser pouca merda, que daria ao menos uma fossa de bom tamanho. Nem me ocuparei de entrar no mérito da questão da crítica construtiva, todo mundo que tem CNTP de bom senso sabe diferenciar uma opinião que vai te levar a algum lugar de um mero “putz, isso tá uma bosta”. E vamos conversar que muitas vezes a gente sabe que putz, isso tá uma bosta, mas não deixamos de nos eriçar todinhos quando alguém tem os colhões de verbalizar. Toda uma vibe “ah, eu posso criticar a mim mesmo, você não.” Oi? Certo, perfeccionismo é algo que até trava certas pessoas (embora na maior parte das vezes se trate mais de uma desculpa para a procrastinação), mas a auto-crítica jamais será uma ferramenta perfeita. Não que qualquer opinião de qualquer pessoa sobre qualquer coisa deva ser levada em consideração. A minha idéia é que a reação de alguém que escreve frente a uma crítica deveria ter mais a ver com o embasamento da opinião de quem a profere que com o teor da crítica. Aliás, me expresso mal. O que quero dizer é que nem toda crítica é feita a esmo, com maldade e que sempre me espanto com a reação de choque de quem recebe um comentário e se magoa, imaginando que críticas não são merecidas porque, ó, escrevi isso aqui e veio do coração. Às vezes o que vem do coração também é uó, gente, não me venham com esse puritanismo criativo.

A sensação de receber um comentário elogioso é boa, mas não restam dúvidas de que um comentário elogioso sincero amplifica enormemente o efeito de se receber uma boa apreciação. E quando eu falo de um comentário elogioso sincero, não digo só da parte de quem elogia, mas também da parte de quem recebe o elogio, que sabe que o texto é realmente bom. E entenda que não é porque você colocou sangue, suor, sêmen e lágrimas que vai estar danado de bom. As coisas não são assim.

Não são poucas as vezes em que a necessidade de escrever é confundida com amor pelo ato da escrita. A necessidade de escrever é aquilo que te livra de idéias que são como minhocas cavando túneis dentro do seu cérebro dia após dia; não se trata de amor, se trata de libertação. E eu não lembro de alguma vez na vida ter recebido elogios por ter, sei lá, ficado muito bêbada e vomitado no final da noite. Amor pela escrita é vomitar e depois ter coragem de ir lá remexer naquilo que você sabe que ainda é vômito, até que vire outra coisa de cheiro mais apreciável. O que merece elogio não é a escrita escarrada, é a escrita lapidada e pensada.

12 comentários:

M. Steffens disse...

Super me senti o Flaubert aí, porque né, sou gay e temperamental, dou xilique se não tá tudo perfeito, e quando alguém critica, aí sim que eu dou aloka.

Mas né, por mais dificil que seja engolir orgulho pra admitir que algo pode ser melhorado, e eu digo isso porque eu sou orgulhosa do cu, todo mundo tem que abaixar um pouco a crista e ver que mesmo que se tu fosse um gênio da literatura, sempre vai ter alguém querendo acrescentar positivamente no que tu faz. E isso vale pra qualquer aspecto da vida, né, não só escrever or whatever. E não aceitar um criticismo como esse é só provar mais o ponto ainda.

(Mas eu me senti engraçada porque ler isso foi um pouco de um chute no estomago, considerando que eu sou ridicula e tambem não sei aceitar críticas muito bem. q)

fernanda disse...

imagem mental forte do flaubert, em sua (imagino) digníssima casa, de bigode em pé, barracando com a pena e o tinteiro, sacudindo os papéis picotados na frente dos coitados dos objetos, num berreiro e baixaria que só, e os vizinhos querendo chamar a polícia municipal parisiense pra eles conseguirem dormir de uma bendita vez. TUA CULPA QUE IMAGINO ELE TRI FAVELADO AQUI.

fora isso, só não peço tua mão depois do último parágrafo porque a mary me mata. puta merda, falou tudo que eu penso sobre o assunto (acho também que a escrita escarrada tem seu valor, assim como a lapidada, mas nem entrarei muito no tema porque não é o ponto). tem gente que não aceita crítica, o que uma merda, porque nem toda crítica é aquela coisa de ensino fundamental BOBO FEIO VOU CONTAR PRA MINHA MÃE, crítica, por mais que fale mal do seu trabalho, é essencialmente pra tu perceber que tem algo errado, mas tem um pessoal que não consegue engolir isso (e geralmente são os primeiros a criticarem a torto e a direito).


ESCREVI UMA BÍBLIA, ME PROCESSA.

Anônimo disse...

#TENSO

Anônimo disse...

Escrever e pedir a opinião de alguém sobre o que você fez, quando você sabe que não tá muito bom, é como tomar remédio ruim. Não vai ser legal, mas foda-se, você vai lá, tampa o nariz e engole o negócio, porque aquilo vai te ajudar a melhorar. Além disso, o perfeccionismo tá aí pra te ajudar a mexer e remexer no que você escreveu até que você fique satisfeito e possa dar pra alguém ler sem ter medo de receber uma opinião diferente de "porra, isso aqui tá ótimo".

"E não, por Deus, entenda que não é porque você colocou sangue, suor, sêmen e lágrimas que vai estar danado de bom." O mundo seria um lugar melhor se todo mundo entendesse isso!

Beijo, Shibbo!

Unknown disse...

bom, eu sou um fã da escrita escarrada. mas acho que até mesmo o escarro escrito pode ser pensado.
Gostei disso! Me deu exatamente a sensação de "escarro escrito pensado".

bem colocado isso tudo mestreca!!
Parabéns!!

Anônimo disse...

Acho que seu eu fosse um escritor iniciante que não soubesse receber criticas eu ia ficar chatea..


ops...


*brinks*


You Win (mas sem fatality)

Bitcherry disse...

Seria tão fácil que não valeria a pena. Para mim escrever e não aceitar crítica é coisa de gente que passou o ensino fundamental e o colegial inteiro ouvindo todo mundo falar que escrevia bem/era um gênio e quando cresceu não entendeu que é preciso muito mais do que isso.

Enfim, pessoas e pessoas. Mas até Bukowski se arrependeria do que escreveu quando visse sendo repetido até a exaustão.

fernanda disse...

olha eu achei que não vale só pra quem escreve (ou pra escritos), vale pra vida isso daí.

Mayra disse...

Você sabe o que eu achei. ;)

rayssa gon disse...

ai , nossa, q post bom.

me deprimiu pq vc escreve bem. vou matar a pessoa q te indicou, ja volto.

:D beijo

Brenda disse...

Puta soco no estômago. Concordo.

Anônimo disse...

[2] rayssa gon disse...
ai , nossa, q post bom.

me deprimiu pq vc escreve bem. vou matar a pessoa q te indicou, ja volto.

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